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Reflexão da semana: O encontro de Jesus com a mulher que ia ser apedrejada

O texto fala sobre João 8,1-11, e a reflexão pertence a Carlos Mesters, Mercedes Lopes e Francisco Orofino.
Boa leitura!

Olhar no espelho da vida

O texto que vamos refletir descreve o encontro de Jesus com a mulher que ia ser apedrejada. Durante a leitura, somos convidados a prestar atenção nas atitudes dos escribas e dos fariseus, da mulher e de Jesus.

Situando

O Evangelho de João não foi escrito de uma só vez, mas cresceu lentamente. Ao longo dos anos, os cristãos iam lembrando e acrescentando outros episódios da vida de Jesus. Um destes acréscimos é o episódio da mulher que ia ser apedrejada (Jo 8,1-11). Pouco antes, Jesus tinha declarado: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba!” (Jo 7,37). Esta declaração provocou muita discussão (Jo 7,40-53). Pulando para nosso texto de hoje (Jo 8,1-11), encontramos uma nova declaração de Jesus: “Eu sou a luz do mundo!” (Jo 8,12), que provoca nova discussão com os judeus. Entre estas duas declarações com suas discussões, foi inserido o episódio da mulher para esclarecer como Jesus é a luz do mundo, como ele ilumina a vida das pessoas.

Comentando

1. João 8,1-2: Jesus e o povo
Depois da discussão, descrita no fim do capítulo 7 (Jo 7,37-52), cada um voltou para casa (Jo 7,53). Jesus não tinha casa em Jerusalém. Por isso, foi para o Monte das Oliveiras. Lá havia um horto, onde ele costumava passar a noite em oração (Jo 18,1). No dia seguinte, antes do nascer do sol, Jesus já estava novamente no templo. O povo também veio bem cedo para poder escutá-lo. Eles sentavam no chão ao redor de Jesus e ele os ensinava. O que será que Jesus ensinava? Deve ter sido bonito, pois vinham antes do nascer do sol para poder escutá-lo!
2. João 8,3-6a: Os escribas armam a cilada
De repente, chegam os escribas e os fariseus, trazendo consigo uma mulher pega em flagrante de adultério. Eles a colocam no meio da roda entre Jesus e o povo. Conforme a lei, esta mulher deveria ser apedrejada (Lv 20,10; Dt 22,22.24). Eles perguntam: “E qual é a sua opinião?” Era uma cilada. Se Jesus dissesse: “Apliquem a lei”, eles diriam: “Ele não é tão bom como parece, porque mandou matar a pobre da mulher”. Se dissesse: “Não matem”, diriam: “Ele não é tão bom quanto parece, porque nem sequer observa a lei!” Sob a aparência de fidelidade a Deus, manipulam a lei e usam a mulher para poder acusar Jesus.
3. João 8,6b-8: Reação de Jesus: escreve no chão
Parecia um beco sem saída. Mas Jesus não se apavora nem fica nervoso. Pelo contrário. Calmamente, como quem é dono da situação, ele se inclina e começa a escrever no chão com o dedo. Quem fica nervoso são os adversários. Eles insistem para que Jesus dê a sua opinião. Então, Jesus se levanta e diz: “Quem for sem pecado seja o primeiro a jogar a pedra!” E, inclinando-se, tornou a escrever no chão. Jesus não discute a lei. Apenas muda o alvo do julgamento. Em vez de permitir que eles coloquem a luz da lei em cima da mulher para poder condená-la, pede que eles se examinem a si mesmos à luz do que a lei exige deles.
4. João 8,9-11: Jesus e a mulher
A resposta de Jesus derruba os adversários. Os fariseus e os escribas se retiram envergonhados, um depois do outro, a começar pelos mais velhos. Aconteceu o contrário do que eles queriam. A pessoa condenada pela lei não era a mulher, mas eles mesmos, que pensavam ser fiéis à lei. No fim, Jesus fica sozinho com a mulher no meio da roda. Ele se levanta e olha para ela: “Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou!” Ela responde: “Ninguém, Senhor!” E Jesus: “Nem eu te condeno! Vai, e de agora em diante não peques mais!” Jesus não permite que alguém use a lei de Deus para condenar o irmão ou a irmã, quando ele mesmo ou ela mesma é pecador ou pecadora.
Este episódio, melhor do que qualquer outro ensinamento, revela que Jesus é a luz que faz aparecer a verdade. Ele faz aparecer o que existe escondido dentro das pessoas, no mais íntimo delas. À luz da sua palavra, os que pareciam os defensores da lei se revelam cheios de pecado e eles mesmos o reconhecem, pois vão embora, a começar pelos mais velhos. E a mulher, considerada culpada e merecedora da pena de morte, está de pé diante de Jesus, absolvida, redimida e dignificada (cf. Jo 3,19-21).

Alargando

As Leis a respeito da mulher no Antigo Testamento e a reação do povo
Desde Esdras e Neemias, a tendência oficial era de excluir a mulher de toda a atividade pública e de considerá-la inapta para qualquer função na sociedade, a não ser para a função de esposa e mãe. O que mais contribuiu para a sua marginalização foi a lei da pureza. A mulher era declarada impura por ser mãe, por ser esposa, por ser filha, por ser mulher. Por ser mãe: dando à luz, ela se torna impura. Por ser filha: o filho que nasce traz 40 dias de impureza; mas a filha, 80 dias! (cf. Lv 12). Por ser esposa: a relação sexual a torna impura durante um dia (Lv 15,18).
Por ser mulher: a mulher menstruada ficava sete dias impura. E quem a tocasse também se tornava impuro por contágio (Lv 15,19-23). E não havia meio para uma mulher manter sua impureza em segredo, pois a lei obrigava as outras pessoas a denunciá-la. Esta legislação tornava insuportável a convivência diária em casa. Durante sete dias em cada mês, a mãe de família não podia deitar na cama, nem sentar-se numa cadeira, nem tocar nos filhos ou no marido, se não quisesse contaminá-los! Esta legislação é fruto de uma mentalidade segundo a qual a mulher era inferior ao homem. Alguns provérbios revelam essa discriminação da mulher. A marginalização chegou ao ponto de se considerar a mulher como a origem do pecado e da morte e a causa de todos os males (Eclo 25,24).
Desta maneira se justificavam e se mantinham o privilégio e a dominação do homem sobre a mulher. Por exemplo, se um homem, depois de algum tempo de casado, não gostasse mais da sua mulher, podia livrar-se dela dizendo que ela já não era virgem quando se casaram. Se os pais da mulher não conseguissem provar o contrário, ela seria apedrejada (Dt 22,13ss). A lei em relação ao divórcio é outro exemplo do privilégio do homem, pois somente ele tinha o direito de pedir o divórcio, mandando a mulher embora se já não a quisesse (Dt 24,1-4). A lei previa a morte do casal adúltero, mas na prática somente a mulher era julgada e condenada por adultério.
Dentro do contexto da época, a situação da mulher do povo da Bíblia não era pior nem melhor do que nos outros povos. Era a cultura geral. Até hoje, em muitos povos continua essa mesma mentalidade. Mas como hoje, assim também antigamente, desde o começo da história do povo da Bíblia, sempre houve reações contrárias à exclusão da mulher, sobretudo depois do exílio, quando a lei marginalizava a mulher como impura e expulsava a estrangeira como perigosa. A resistência da mulher cresceu na mesma proporção em que a sua marginalização era mais pesada. Vários livros sapienciais registram essa voz da oposição: Cântico dos CânticosRuteJuditeEster.
Nesses livros, a mulher aparece não como mãe nem como esposa, mas como mulher que sabe usar sua beleza e feminilidade para lutar pelos direitos dos pobres e assim defender a Aliança do povo. E ela luta não a favor do templo nem a favor de leis abstratas, mas sim a favor da vida do povo.
Esta reflexão foi partilhada pelos autores e autora.

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