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Última Palavra: O Tempo de Deus – Kairós e Chronos

Última Palavra: O Tempo de Deus – Kairós e Chronos

Por: Christopher Walker
Existem certos momentos eletrizantes na história do plano de Deus que infalivelmente nos inspiram e fascinam cada vez que tornamos a ler o seu relato na Bíblia. Um deles está em Josué 1.
Se você abrir sua Bíblia ao acaso e ler este capítulo sem nenhuma compreensão do seu contexto histórico, encontrará sem dúvida uma grande fonte de inspiração e uma porção de promessas que desejará apropriar para sua vida. Mas terá perdido o grande impacto deste momento na história.
Para senti-lo, você teria de ter lido (ou de ter lembrado) sobre tudo que aconteceu no plano de Deus antes deste momento. Depois que Deus deu a promessa a Abraão sobre a descendência e a terra que seriam seus instrumentos para trazer redenção ao homem e a toda a criação, passaram-se vários séculos. A descendência de fato se multiplicou, mas ficou escrava de um povo estranho no Egito. Moisés foi levantado como instrumento divino para tirar o povo do Egito e da escravidão, e ser o mediador de uma aliança, que viria a tornar-se a base de todas as Escrituras, e do relacionamento entre Deus e seu povo para sempre. Entretanto, a geração que saiu do Egito não creu, e ficou quarenta anos no deserto, até morrer o último homem incrédulo.
É com este pano de fundo (obviamente em muito maiores detalhes), que devemos ler Josué 1. Porque só assim poderemos entender o efeito e a emoção que as palavras de Deus causaram, quando disse: “Levanta-te agora, passa este Jordão…”, e quando deu aquelas tremendas promessas a Josué, tais como: “Todo o lugar que pisar a planta do vosso pé, vo-lo tenho dado”, e: “Ninguém te poderá resistir, todos os dias da tua vida” (Js 1.2-5).
Estas não foram simples promessas que Deus de repente resolveu entregar a Josué, ou ao povo que estava com ele. Foram a consumação de séculos de preparação, dadas no momento certo, para as pessoas certas.
É por não ler a Palavra de Deus no seu devido contexto que muitas vezes a aplicamos de forma errada. Se eu pegasse estas promessas de Josué 1, e começasse a apli- cá-las como eu bem quisesse na minha vida, com certeza entraria em sérios problemas! Pois esta passagem não me concede autoridade para tomar posse de bênçãos da minha própria escolha, nem de me apropriar de qualquer lugar que seja do meu interesse. Deus delimitou claramente para Josué no versículo 4 o território que poderia ser pisado, e sabemos que esta terra simboliza nossa herança em Cristo, não a concretização de sonhos pessoais.
Kairós e Chronos
Mas existe um outro problema na aplicação desta passagem. É compreender exatamente o momento no plano de Deus quando estas promessas foram dadas. Afinal, durante quarenta anos, o povo havia desejado ardentemente ouvir estas palavras, e não as ouviram. Uma vez, inclusive, tentaram subir para a terra sem receber uma ordem de Deus, e foram vergonhosamente derrotados (Números 14.40-45).
Para entender melhor este conceito do tempo de Deus, e como podemos aplicar suas promessas a nossa vida, seria útil examinar duas palavras gregas: kairós e chronos. Assim como a distinção entre as palavras gregas (ágape, phileo, e eros) ajuda a compreender melhor o conceito de “amor”, estas duas palavras nos ajudarão a ver dois aspectos de “tempo” no plano de Deus.
A palavra chronos significa um espaço de tempo ou intervalo, e às vezes é usada para dar a idéia de “demora”. Em contraste, kairós significa uma ocasião especial, um tempo determinado, ou uma oportunidade. Encontramos chronos em textos como Lucas 20.9 (o dono da vinha ausentou-se do país por muito tempo)] João 5.6 (o paralítico que estivera doente havia muito tempo)] Atos 8.11 (Simão, o mágico, desde muito tempo iludira os samaritanos com suas artes); e Atos 13.18 (Deus suportou os costumes do povo de Israel no deserto por espaço de quarenta anos).
Em Atos 17.26-30, podemos ver o contraste dos dois termos. No versículo 26, diz que Deus fez todas as nações para habitarem sobre a terra, determinando-lhes os tempos (kairós) já dantes ordenados. No meio de todo o espaço de tempo que vai passando, existem na história da humanidade como um todo momentos específicos que Deus já predeterminou como épocas especiais, épocas de mudanças, épocas que abrem novas etapas no desenvolvimento do seu plano na terra. Este é o significado de kairós: é um momento decisivo, uma ocasião especial, em que grandes coisas podem acontecer.
Já no versículo 30 do mesmo capítulo, lemos que Deus não levou em conta os tempos (chronos) de ignorância, em que os povos não conheciam a verdade. Esta é a idéia de chronos: espaços indeterminados e prolongados de tempo, em que nada de especial ou importante está acontecendo. São os séculos de ignorância antes da vinda de Cristo, os séculos de escravidão no Egito, os períodos de silêncio e apostasia na história, as décadas de andanças sem rumo no deserto, os anos de espera do paralítico à beira do tanque de Betesda, e tantos e tantos períodos na nossa vida em que as promessas de Deus parecem estar longes e inalcançáveis.
Por outro lado, kairós representa aquele momento emocionante quando tudo muda, quando Deus se levanta, e dá ordens que transformam o estagnado em movimento, e que fazem nascer um novo dia e uma nova situação. Isto ocorre na história, como vimos na passagem de Atos 17 citada acima, e que foi exemplificado na época dos descobrimentos na virada do século XV, ou mais recentemente, na queda do muro de Berlim e da potência mundial do comunismo. Mas ocorre especialmente dentro do plano de Deus, conforme visto na Bíblia.
Josué 1 foi um destes momentos kairós no plano de Deus. Moisés completara sua missão, a velha geração incrédula havia morrido, e a hora finalmente estava chegando para entrar na terra. Outro momento foi quando Jesus começou seu ministério anunciando o maior kairós de todos os tempos (até então), dizendo que o tempo (kairós) estava cumprido, e que o reino estava chegando (Mc 1.15). Quantos séculos Deus não havia aguardado em paciência até que chegasse a “plenitude dos tempos”?
O Paradoxo
A pergunta que surge imediatamente, porém, é: Como devemos agir, então? Devemos ser passivos, fatalistas, esperando aquilo que terá mesmo que acontecer, aquilo que já foi predeterminado, e reconhecer que nada podemos fazer para mudar a situação atual, porque ainda não chegou o momento kairós para nós?
Encontramos aqui, como em tantos outros assuntos na Bíblia, um grande paradoxo. Veja o contraste destas duas passagens: “Mas a respeito daquele dia e hora ninguém sabe…. Estai de sobreaviso! Vigiai e orai! Não sabeis quando será o tempo (kairós)” (Marcos 13.32,33; ver também Atos 1.6,7). E por outro lado: “Hipócritas, sabeis interpretar a face da terra e do céu. Como não sabeis então discernir este tempo (kairós)?” (Lucas 12.56).
O que significa? Afinal, podemos ou não podemos saber sobre os momentos kairós de Deus? Não, e sim! Não, para o desejo humano e carnal de saber de antemão exatamente quando as coisas acontecerão, porque assim ficaríamos relaxados e displicentes até a última hora, e só então nos prepararíamos. Sim, porque devemos estar atentos e saber em que tipo de período estamos vivendo. Mesmo que não possamos saber o dia nem a hora, temos a obrigação, segundo Jesus, de discernir os sinais dos tempos.
Na verdade, ele foi duro com seus ouvintes, dizendo que era hipocrisia se acharem tão sábios sobre o que aconteceria no futuro imediato com o clima, e ao mesmo tempo  não saberem nada sobre a época em que viviam. Hoje, com certeza, ele falaria sobre nosso farto conhecimento tecnológico, sobre nossa capacidade de prever com precisão a chegada de cometas e astros celestes, sobre os avanços em medicina, informática, e tantos outros campos, enquanto continuamos tão pobres em saber aonde estamos no plano de Deus, ou que momento kairós está prestes a se manifestar.
Portanto, embora os tempos e épocas pertençam a Deus, e realmente não possamos por nenhum ato da nossa vontade ou impaciência mudar suas determinações, por outro lado existe uma grande responsabilidade humana em estar atento e perceber quando o kairós de Deus está chegando.
Existe uma cena dramática nos evangelhos que ilustra bem este ponto. Jesus estava viajando no final do seu ministério para a cidade de Jerusalém. Se o momento kairós de Josué 1 era dramático por causa de todos aqueles séculos e décadas de espera, imagine esta época da primeira vinda de Jesus, dois mil anos depois do início de Israel com Abraão! Quanta preparação, quantas falhas, quanta paciência de Deus para não desistir, e continuar com seus propósitos! E agora, Jesus sabendo que este mesmo povo iria rejeitá-lo, ao chegar perto de Jerusalém, e já podendo avistá-la, chorou sobre a cidade, dizendo: “Ah, se tu conhecesses, ao menos neste teu dia, o que à tua paz pertence! …. Não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não reconheceste o tempo (kairós) da tua visitação” (Lucas 19.41-44).
Veja, o kairós pode chegar, e nós não participarmos dele. Podemos perder o tempo da visitação de Deus. No lado oposto, podemos até contribuir para que o kairós chegue mais rápido, de acordo com 2 Pedro 3.12. Não podemos explicar exatamente como isto acontece, pois é uma área que pertence exclusivamente a Deus, mas está bem evidente nas Escrituras que muitas etapas no seu plano demoram mais do que realmente é necessário por causa da incredulidade ou desobediência humana. O grande exemplo disto foram os quarenta anos no deserto, que poderiam ter durado apenas um ano aproximadamente (ver Números 13,14). Da mesma forma, se tivermos expectativa e desejarmos ardentemente a sua vinda, conforme Pedro escreve no texto acima, podemos apressar o seu dia.
Tomar Posse ou Esperar em Deus?
Porém, não podemos de forma alguma perder a maior lição deste conceito de kairós, que é da nossa dependência da ação divina, da sua luz verde, e da sua palavra de ordem, para entrarmos de fato no momento de oportunidade e de progresso no plano de Deus para uma vida, uma família, uma igreja, ou uma geração. Jesus certa vez discutiu com seus irmãos exatamente sobre isto. A questão era a Festa dos Tabernáculos, e os irmãos naturais de Jesus, num tom aparentemente de sarcasmo, estavam dizendo que ele deveria subir a Jerusalém para fazer sucesso e se tornar conhecido. Era um momento de oportunidade, e segundo eles, dependia só de Jesus tirar proveito dele. A resposta de Jesus foi sobre a diferença entre seu kairós e o kairós de quem é dono da sua própria vida. “O meu tempo (kairós) ainda não chegou”, ele disse; “o vosso, porém, sempre está pronto” (João 7.1-8).
O mundo nos ensina que precisamos criar nossas próprias oportunidades, e ir atrás de nossos alvos com determinação. As únicas pessoas que não alcançam as portas do sucesso são aquelas que se acomodam com o que têm. Esta mesma filosofia está invadindo a igreja, e seus defensores encontram muitas passagens bíblicas que aparentemente a sustentam. Mas Jesus, o próprio Filho de Deus, não era dono do seu kairós; ele precisava esperar o momento certo, de acordo com a vontade do Pai.
Ele acabou indo àquela festa, mas ocultamente, e somente quando chegou a hora de Deus. Para aqueles que vivem de acordo com princípios naturais, ainda que seja na igreja ou na obra de Deus, o momento de oportunidade sempre existe; é apenas uma questão de “fé”, ou de “tomar posse”. Mas para quem realmente anseia pela vinda do Reino de Deus, existe uma hora, e um momento, no plano de Deus em que as portas se abrem, a ordem é dada, e podemos entrar numa nova etapa e dar um novo passo em direção ao cumprimento final. Se não estivermos vigiando, esperando, e buscando este momento de Deus, ele poderá passar sem o percebermos. E quando o percebermos, precisamos ser corajosos e fortes em Deus para não retrocedermos, mas para confiarmos em todas suas promessas e avançarmos para o seu desafio! Pois este será o momento exato para aplicar as palavras de Josué 1 à nossa vida!

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